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Foto do escritorAlmanaque de Canela

A Lageana e os primórdios de Canela

Atualizado: 5 de jul. de 2024


Por Eduardo Bueno


A trilha se esgueira pela margem do riacho que murmura em meio aos paredões do vale estreito e ensombrado. Sinuosa, ela imita o curso d´água, com a diferença que avança em constante sobe e desce e na direção oposta àquela em que a corrente flui. A paisagem é puro encantamento: avencas e trevos tremulam na aragem perfumada, flores silvestres em tons escarlates pontilham aqui e ali a verdura dos musgos e dos azevinhos; os raios de sol infiltram-se pelo dossel das árvores mais altas e se imiscuem entre elas, como a luz que perpassa os vitrais de uma antiga catedral. Na verdade, tudo aqui lembra um templo natural. Os sons, os aromas, as formas, o jogo de sombras e luzes: nada é corriqueiro ou habitual nesse recanto tão longe (e ao mesmo tempo tão perto) da civilização.

          À medida que a trilha vai adiante, por entre rochas e peraus, com os paredões do vale estreitando-se e deixando apenas uma nesga de céu no zênite, o zumbido dos insetos, o farfalhar da ramagem, o trinar dos pássaros, o cântico das águas escorrendo por entre as rochas que elas mesmas arredondaram, tudo vai sendo abafado por um ruído constante, um rugido abafado, um troar surdo e grave que ecoa ao longe. O ar úmido e fragoso exala odores ancestrais de barro e limo, de vida antiga e vetusta. Pequenas samambaias parecem xaxins em miniatura, feito bonsais. Já os xaxins replicam as araucárias, e as araucárias, elas próprias, estão lá em cima, no topo dos paredões que caem em riste, como se tivessem sido talhados a facão quando a lava ainda estava quente e podia ser moldada. Não há como duvidar: estar por baixo, aqui, é uma maneira inequívoca de se sentir por cima.

           E foi exatamente assim que me senti, já na primeira vez em que cheguei ao fundo do vale da Lageana, encravado no seio da Serra Gaúcha, cerca de 200 metros abaixo dos campos ondulosos do planalto, entre as muralhas de basalto. Eu tinha 15 anos e estávamos no início dos anos 1970. Mas apesar das emoções daquela aventura serem uma lembrança vívida, gravada na minha mente e no meu coração, não podia imaginar que fora ali, ou bem próximo dali, que a história da colonização de Canela tinha presenciado seus primórdios. E justo num cenário que, mais de um século e meio depois, segue virtualmente inalterado.

          É hora de resgatar essa história – e nenhum lugar pode ser melhor do que esse.


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