Como nasce a história de um lugar?
Em que ponto do passado ela começa a ser contada?
É bem provável que seja no momento em que sua essência se revela.
Desde seus primórdios, a essência de Canela sempre esteve no turismo. Por isto, nos parece não apenas coerente, mas justo, iniciar as histórias deste livro nos meandros do Caracol, à sombra e ao som de sua cascata, trilhando os caminhos da Lageana, às margens do arroio que une Canela e Gramado em um mesmo vale e numa mesma corrente que sussurra. Uma corrente que, em vez de aprisionar, liberta.
E o mais revelador é que essa saga não só começou ali, às margens da cascata, como se iniciou quando essas paragens ainda eram remotas e pertenciam à Taquara. Mas já pareciam estar ali, à espera das famílias que chegariam para ocupar o lugar onde o turismo começou. Um local que, mais de cem anos depois, continua atraindo milhões de visitantes para ver o vale, as montanhas, a mata – e uma das mais lindas cascatas do Brasil.
Uma cidade nada mais é do que um pedaço de chão nesse imenso planeta, onde uns já moraram e outros tantos virão. Gente que vai moldando o tempo e sendo moldada por ele. E assim surgem casas, uma escola, uma igreja, um clube, um cemitério...
Cidade é um lugar onde trabalhar, morar, viver e sonhar com um futuro melhor. Chega um viajante, compra umas terras, a família cresce, as terras se dividem. Em algum ponto no tempo, o destino faz com que as pessoas se encontrem, os caminhos se cruzem, os filhos se casem. Os espaços entre as casas viram ruas, e as ruas se enchem de mais casas, e de mais gente, com mais desejos, mais sonhos, mais necessidades. Fábricas, hotéis, lojas, oficinas e ofícios começam a surgir. Todos cumprem uma função na história. É quando nasce a alma e a vocação do lugar.
Algumas pessoas contam as suas histórias. Mas elas envelhecem e lá se vão suas memórias, restando apenas pequenos fragmentos, contados aqui e ali, até que esses também se perdem com o tempo. Por isso, decidimos continuar a contar esta história de Canela, estruturando os acontecimentos mais importantes em forma de Linha do Tempo, sem aprofundá-los, mas priorizando os assuntos relevantes para o turismo, numa cronologia que traça um paralelo com o que acontecia no Brasil e no mundo em cada década, numa típica linguagem dos velhos e bons almanaques.
Muitos fatos foram escritos a partir de documentos e fotografias preservadas, mas outros tantos foram contados não apenas da boca para ouvidos, mas do coração para o papel. E é isso que as faz serem muito especiais. Dessa forma, resgatamos tradições rurais e urbanas, brincadeiras da juventude, relatos pessoais e relatos de vidas entrelaçadas. Nosso foco primordial foi registrar essas informações, contadas por quem as viveu ou testemunhou os fatos que lhes deram origem. Histórias para nunca mais serem esquecidas, de forma que as novas gerações possam ter um encontro com sua ancestralidade.
Setenta e cinco anos se passaram desde a emancipação de Canela e cerca de um século e meio desde que Guilherme Wasem e sua família chegaram onde tudo começou. A vida tramou muitas histórias, cultivou seus mistérios e teceu um passado rico o bastante para se transformar em livro, em aventuras, em causos e anedotas passadas de geração a geração e agora agrupados nessas páginas.
Este livro foi escrito por muitas pessoas que carregam Canela no coração. Fizemos um trabalho jornalístico de pesquisa em publicações já existentes de diversos autores e nos divertimos muito recheando algumas lacunas com narrativas orais. É sempre intrigante pensar: para onde vão as histórias daqueles que não as escrevem? Certamente ficam esquecidas e se perdem como as meras conversas em família. Mas agora muitas delas estão aqui, fluindo como um córrego.
Afinal, o tempo e a vida não deixam de ser um rio que nunca deixa correr.
Liliana Reid
Comentários