Por Eduardo Bueno
Essa nuvem de pingos, de bátegas, de gotas esvoaçantes reflete, como nos cacos de um espelho partido, uma miríade de raios solares multicores, formando uma sequência de arco-íris em miniatura – milhares deles. São como lágrimas coloridas pairando sobre uma paisagem selvagem e verdejante. Estarrecido e atônito, literalmente boquiaberto nesse vale retumbante, o visitante se deixa embalar e envolver por uma sucessão de visões e devaneios. E se põe a refletir no que haverá de ter pensado o primeiro ser humano que, após árduos anos de labuta e decepções, ousou chamar aquela cascata de sua. E que deu – ainda que por um período – seu nome a ela: Cascata Wasem.
Sim, depois de ter sido e antes de voltar a ser “do Caracol”, essa estrepitosa queda d´água foi chamada de cascata Wasem. E não parece improvável que, contemplando-a de seu úmido e lodoso sopé, ao fundo da arena pedregosa onde a queda d´água se atira com a fúria de quem persegue um destino inevitável, Guilherme Wasem tenha mergulhado em conjecturas e quimeras, vendo projetar-se na tênue cortina multicor daquelas gotículas esvoaçantes, toda sua vida girando num caleidoscópio de imagens cambiantes, estilhaços de memórias, momentos de esperança frequentemente corroídos pela desilusão, sonhos desfeitos como respingos esborrachando-se de encontro à firmeza dos rochedos.
Uma queda, seguida de uma nova queda. Até que a luz voltasse a rebrilhar.
Afinal, não restam dúvidas de que, até ter uma terra para chamar de sua – e justamente aquela terra, junto com aquelas águas e aquela cascata –, Guilherme Wasem levara uma existência errante e inconstante, repleta de altos e baixos, como se imitasse a trilha que conduz ao sopé da cascata. Aliás, se sua vida fosse um rio, correria sinuosa como o arroio Caracol, que desenha seus volteios lá em cima, na porção superior do planalto, antes de despencar no abismo. O abismo no fundo do vale à beira do qual Wasem enfim encontraria um lar e poderia fincar raízes, depois de ser escorraçado dos campos altos.
O vale da Lageana, onde ele renasceu – e onde Canela viveria seus primórdios.
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